Projeto Canción

segunda-feira, abril 30, 2007

Um circo armado prá me convencer

Meus caros amigos que sonham em conhecer Machu Picchu, sinto informar que a melhor palavra que encontro para definir esse sítio arqueológico dominado pelo turismo é: palhaçada. Bom, vamos começar do começo, ou seja, como chegar lá. Há três opções: pagar o olho da cara e ir de trem de Cusco a Machu Picchu Pueblo; pagar o olho da cara e fazer a "trilha do inca", que dizem ser muito bonita – três dias de caminhada passando por várias ruínas; ou, finalmente, fazendo o caminho do andarilho sem grana. Nem preciso dizer que escolhemos a terceira opção.

Como chegar a Machu Picchu de classe econômica
Primeiro passo: pegar um ônibus de Cusco a Santa Maria. Você chega lá agradecendo por estar vivo depois de passar por penhascos em estradas de terra deslizante. Aliás, depois de viajar pela Bolívia e pelo Peru, você já se acostuma a esperar qualquer coisa de uma viagem de ônibus. Em Santa Maria tem que pegar uma kombi até Santa Tereza. Ai meu Deus do céu, ai meu Jesus amado - a criação católica aparece nesses momentos, e o medo da morte também. Cruzando montanhas numa estradinha de terra à beira do abismo numa kombi lotada, passando por povoadinhos de quatro casas que parecem todos iguais, infinitos deja vus. Pior foi na volta, de noite, o motorista alucinado descendo as montanhas como um cowboy em dia de rodeio.
Santa Tereza é uma vila tranquila, que apesar de alta é úmida e quente. Depois de muito tempo víamos uma vegetação tropical, com bananeiras e muita chuva. Para relaxar da viagem, uma boa pedida é tomar banho de águas termais. Armamos acampamento, à noite as piscinas eram só nossas – hum, que delícia.
O próximo passo é caminhar até o trilho do trem, o que demora umas duas horas, mas também tem um caminhão que leva até lá. Para sair de Santa Tereza, o negócio é atravessar um rio vociferante num cabo de aço, você senta na cesta pendurada e puxa a corda para chegar do outro lado. Dá medo de olhar, mas na hora é divertido. Já do outro lado, você pode esperar o caminhão ou enfrentar o percurso à pé.
No trilho do trem, a caminhada é de três a quatro horas. Aí já é mata fechada. Montanhas verdes, rodeadas no topo por nuvens densas de vapor. É difícil ver o céu azul. Há nuvens o tempo todo e chove quase o tempo todo. O lugar é muito louco - pequenos vales cobertos por selva e água para todos os lados. Rios caudalosos, ferozes.




O dia em que não conhecemos Machu Picchu
Lucas e Luciana, o brasileiro e a chilena, nos passaram um esquema de como entrar de graça em Machu Picchu (no final da subida para as famosas ruínas, pegar uma trilha no mato que leva até o muro, discretamente pular e se mesclar com os turistas).
Na primeira tentativa, um dia de manhã, fomos barrados no controle da ponte, no sopé da montanha, único caminho para a trilha. Descobrimos que de madrugada não havia controle. Saímos lá pelas cinco da manhã, mas o guardinha já estava no batente.
Decidimos comprar o ingresso mesmo, Lucas e Luciana deviam ter tido sorte, afinal nem nos haviam falado desse controle. No guichê, apresentamos nossos documentos da universidade e o passaporte. "Só aceitamos a carteirinha internacional de estudante", falou o atendente maquinal. "Mas isso comprova que somos estudantes", argumentei. "Nós só aceitamos a carteirinha internacional de estudante, são regras da empresa". Tentei mais um pouco, expliquei a situação, mas nada feito. A meia-entrada custa 60 soles, ou seja, a inteira sai por absurdos 120 soles. Confesso que até tínhamos o dinheiro, mas era exploração demais! Optamos por tentar entrar na surdina uma última vez.
No dia seguinte, saímos às três horas da manhã. Um casal de argentinos nos passou os tickets usados deles - com a data do dia anterior e com a metade já destacada, mas enfim, poderia ajudar. E, de novo, o guardinha já estava lá. Eu fiz alguma pergunta besta e me pus a olhar o rio, as árvores, enquanto ele pedia as entradas para o Thiago, que lhe entregou os tickets dos argentinos. Ele tinha uma lanterna, olhou bem as entradas, obviamente percebeu a situação, mas deixou agente passar. Ufa, que alívio, depois dessa eu tinha certeza que tudo ía dar certo, que entraríamos de graça em Machu Picchu.
A subida é uma escada de pedras do tempo dos incas, no meio da floresta, que vai cruzando a estrada por onde o ônibus-para-turista-com-ar-condicionado-cujo-preço-é-um-absurdo passa. É degrau que não acaba mais, para mim então, que ainda não estava 100% depois de vinte dias praticamente de cama, foi muito cansativo.
A indicação era que deveríamos desviar para a trilha na segunda barraquinha de palha. Entramos num caminhozinho em frente à barraca, andamos, chegamos na estrada de novo e nada de muro. Não devia ser por ali. Voltamos e descobrimos uma trilha ainda mais fechada atrás do quiosque. Tinha hora que nem dava para ver os pés, de tanto mato. Depois de um certo esforço chegamos ao muro. Justamente no momento em que eu estava encaixando meus pés nas pedras para pular o muro, surge um vigilante.
- Ei, o que vocês estão fazendo aí?
- Explorando novos caminhos - disse o Thiago cara-de-pau.
Agente falou que tentou pagar meia-entrada e não aceitaram nossos documentos, que achava um absurdo ter que pagar 120 soles simplesmente para poder entrar e coisa e tal. Ele veio com uma história que nos levaria até a administradora, falaria com ela, agente pagaria meia entrada e todos seriam felizes.
Fomos com ele cruzando o sítio arqueológico - pareceu muito louco mesmo. Chegando na administração, ele tirou o corpo fora, apontou a sala e foi embora. A administradora cuspia prepotência, se deliciava com a pequena autoridade que lhe foi atribuída. Entre as grosserias e frases tiradas do discurso oficial, ela disse que tínhamos que pagar a entrada ou seríamos deportados e que analisaria nossos documentos de estudantes - dependendo do caso ela os aceitaria ou não. Os documentos tinham ficado no hotel. O Thiago desceu e subiu tudo de novo enquanto eu esperava lá. O problema é que minha declaração de matrícula ficou com nossas coisas no albergue em Cusco, mas eu tinha um documento oficial dizendo que eu e o Thiago estávamos viajando fazendo o trabalho de conclusão de curso, mas ela não aceitou. "Mas olha aqui, tem até o meu número de matrícula", eu falei. "Você acha que eu sou estúpida? Eu já li o texto e isso não serve, pois você pode estar fazendo um estudo pela universidade sem ser aluna". Não adiantava discutir que para ter um número de matrícula e para fazer um trabalho de conclusão de curso eu tenho que ser o que se considera oficialmente um estudante.
Já tinha perdido toda a graça, toda a magia. Eu ía pagar 120 soles para quê? Em Machu Picchu Pueblo (antiga Águas Calientes, que teve seu nome mudado num golpe de marketing) os únicos peruanos são os que mantêm a engrenagem do turismo funcionando – garçonetes, cozinheiros, pedreiros e balconistas. Enquanto a parte turística é toda colorida e "bonitinha", o lugar onde as pessoas vivem, do outro lado de uma pequena ponte, é todo cinza, pobre, como em qualquer outra cidade peruana. Para quem vão os milhões faturados em cima das ruínas da civilização que foi dizimada sob a bandeira dessa mesma mentalidade, que só enxerga cifrões?
Dane-se Machu Picchu. Eu disse para a administradora que nós estávamos do outro lado do muro quando o vigilante apareceu e nos convenceu a entrar. Portanto, não havíamos invadido nada. Eu não ía pagar para entrar. O Thiago podia entrar como estudante, pagando a metade, mas estava tão enojado com toda essa história que também decidiu não entrar.
Sinceramente não me arrependo. E no final das contas, no caminho de volta, descobrimos que entre Santa Maria e Cusco ficam as ruínas de Ollantaytambo, que estruturalmente são muito parecidas às de Machu Picchu.

As ruínas de Ollantaytambo
Ollantaytambo é uma cidadezinha ainda não tão parasitada pela exploração turística. Os moradores preservam a capacidade de ver os outros como pessoas, não somente como alvos de bolsos cheios. As ruas e muros mantêm as estruturas de pedra originais incaica e pré-incaica. As ruínas rodeiam a cidade e algumas podem ser visitadas de graça.
As construções incaicas impressionam pela inteligência e funcionalidade, com um toque de mistério. As pedras, algumas enormes, eram levadas ao alto das montanhas por sistemas de rolamento e rampas. Eles as cortavam de maneira que encaixassem perfeitamente, sendo à prova de terremotos. O mais incrível é o calendário solar: no solsístio de inverno, os raios de sol, que passam primeiro pelo "perfil do Inca" talhado na outra montanha, batem perfeitamente na marca talhada no painel de pedra, onde também está representada a trilogia sagradas dos incas - o condor, o puma e a serpente. O condor representa o mundo superior, o universo dos deuses; o puma corresponde ao mundo terreno, dos homens; a serpente simboliza o mundo subterrâneo, o lugar dos mortos.
Há muitas histórias sobre o lugar, a origem do seu nome, a invasão espanhola, mas o que mais valeu à pena foi sentir um pouco de uma sociedade de valores e costumes tão diferentes dos nossos. O código de ética dos incas pode ser resumido em três princípios: não mentir, não roubar e não ser preguiçoso.
Não acredito no idealismo embasbacado: as histórias daqueles tempos têm páginas negras, repletas de disputas de poder e derramamento de sangue. Mas havia uma diferença primordial - o homem e a natureza eram tidos como um e a tecnologia não obstruía o equilíbrio universal.
























Mi

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