Projeto Canción

domingo, julho 22, 2007

No caminho de volta ao lar

Após aproximadamente um ano de viagem estou de volta a Blumenau, cidade onde nasci e vivi até os dezessete anos. É um estranho processo - voltar a casa onde morei por tanto tempo, rever meus pais, o clima e a vegetação que falam tanto de mim mesma. A palavra voltar não faz juz a essa experiência. Quanta ambiguidade nessa vida! Ao mesmo tempo que tenho algumas características, jeitos e manias que parecem eternas e sólidas como raízes, já não sou a mesma pessoa que entrou num ônibus para Assunção cerca de um ano atrás. O mesmo em relação às outras pessoas e os lugares. É sempre a mesma coisa, só que tudo diferente.

Morte e vida no cerrado
Retomando o fio da meada, deixamos Porto Velho com o objetivo de pegar carona até Cuiabá; de lá eu seguiria para Teresina de Goiás, o Thiago passaria por Campo Grande e depois me alcançaria em Goiás. O plano de carona não foi muito bem sucedido - em uma semana na estrada acampando em postos de gasolina chegamos até Comodoro no Mato Grosso, ainda há alguns bons quilômetros de Cuiabá. Nessas horas as economias são uma benção. Decidimos nos separar ali mesmo, cada um seguindo de ônibus para o seu destino.

Depois de uma cansativa viagem cheguei a Teresina de Goiás, estava tudo combinado para eu encontrar minha amiga Manu, que conheci em Curitiba e que há pouco tempo se mudou com dois amigos para uma cidadezinha na Chapada dos Veadeiros.

As árvores, melodramáticas, entortadas, parecem dançar. Muito sol, céu azul. Era época de seca, que vai de abril a setembro. Peguei o que deve ter sido a última chuva até que começe a temporada das águas. Foram algumas singelas gotinhas que caíram do céu.

Nessa época a vida dorme, descansa no seio da terra. Os campos ganham cores marrom e pastel. E todo ano é assim. O cerrado dorme para renascer verde e florido. Mas mesmo na seca, apesar da morte aparente, há muito vida. A terra conta histórias de escravos fugidos, de onças e cristais. As inúmeras nascentes cantam a alegria e a tristeza da vida. Kaliandra, a flor do cerado, colore os sonhos da terra.

Passei um mês com os amigos de Teresina, experimentando viver em harmonia com o meio, com o outro e comigo mesma. Assim é a corrente da vida: quando agente pensa que ninguém vai nos entender, acabamos encontrando pessoas que compartiham da mesma busca. E ela enriquece, para todos.

Aproveitamos para conhecer um pouco mais da Chapada antes de ir embora. Ficamos alguns dias acampados em São Jorge. Visitamos cachoeiras conhecidas (e nas quais era possível chegar a pé) - o Vale da Lua e Raizama. Os cristais estão por todo o chão, pelas ruas, no camping, na cidade toda. São Jorge está acima de uma imensa placa de cristais. As cachoeiras são imensos templos da vida, com toda sua exuberância. É um lugar mágico.


























MST, a luta é prá valer
Desde que surgiram os primeiros planos inconcretos dessa nossa viagem improvisada eu tinha vontade de visitar o acampamento do MST Padre Gino, no estado de Minas Gerais, onde estive há um ano e meio atrás. O Thiago, que nunca havia estado numa comunidade do MST, gostou da idéia. Chegamos lá sem avisar nem nada. Eles ficaram muito felizes de eu ter voltado, pois é difícil os estudantes que fazem o estágio em áreas de reforma agrária voltarem para visitar os sem-terra que os receberam. E eu mais uma vez me surpreendi com o despreendimento das pessoas, a facilidade de demonstrar amizade, de se doar. Engraçado, a velha crença popular definitivamente comprovou-se verdadeira: quem menos tem é quem mais tem para dar. O Thiago fez uma oficina de malabares com a criançada, fazendo a alegria deles.

Gente com o coração mais puro, tentando construir uma sociedade diferente. Eles foram despejados mais uma vez esse ano. Passaram o Natal na beira da estrada. Alguns desistiram, mas muitos estão sendo assentados em outras terras conquistadas pelo movimento. O Padre Gino já foi o maior acampamento da região, com mais de 700 famílias. Na primeira vez que eu fui eram 70. Agora são 30. O acampamento tinha uma escola e duas igrejas - uma católica e outra evangélica. Dessa última vez a polícia destruíu tudo, inclusive as plantações. Agora faz alguns meses que eles reocuparam a terra. Começaram tudo do nada, mais uma vez, e agora esperam que chegue sua hora de serem assentados. A luta continua, assim como a alegria, estampada nos olhares apesar das tantas pedras no caminho.
















Rumo ao sul
Passamos rapidamente por São Paulo para comprar fio encerado, o material básico do nosso artesanato. Que cidade mais louca e confusa. De lá fomos para Florianópolis, onde moram minhas amigas de infância, minha segunda família. Elas moram numa casa linda, com lareira, cachorro e quintal. Muito frio. Tinha esquecido como o frio daqui corroi os ossos e torna a casa e o cobertor tão aconchegantes. Passei tardes e noites na sala com lareira fazendo macramê com minha amiga Ximba, assistindo filmes e aos jogos do Pan. Chegamos ontem em Blumenau e no próximo sábado partimos para Curitiba. Ai, é tanta coisa. Confesso que minha cabeça está um pouco confusa, meu estômago sente a ansiedade. Mas na maioria das vezes dramatizamos processos que ocorrem muito naturalmente. Enfim, é esperar para ver.



Mi

2 Comentários:

Às 11:58 PM , Blogger Daniel Caron disse...

Sejam bem vindos!!!

Vi o Roli na rua esses dias, passeando o cachorro.

Daniel

 
Às 7:25 PM , Blogger Daniel Caron disse...

lindas as fotos mi!

 

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