Projeto Canción

quinta-feira, setembro 07, 2006

Vida de mochileiro

Em Resistencia, capital da província do Chaco, empreendemos nossa primeira tentiva de vender artesanato. Até então estávamos produzindo, para juntar quantidade suficiente para expôr. Paramos em uma esquina movimentada, estendemos nosso pano, colocamos os colares e malabares e timidamente cumprimentávamos as pessoas que dirigiam alguma atenção ao nosso trabalho. Fizemos isso uns dois ou três dias, por cerca de duas horas. Não vendemos nada.
Nos alojamos no Parque Municipal e Camping 2 de Febrero. Lá conhecemos três artesãos - Keko e Andrés de Córdoba e a chilena Maribel. Eles nos falaram da Festa do Dourado, que iria acontecer em Isla de Cerrito no fim de semana, com a promessa de que lá seria bom para vender artesanato.
Isla de Cerrito é uma cidadezinha do interior, a 60 km de Resistencia. A Festa do Dourado é o grande acontecimento da cidade. Chegamos lá no dia 31 de agosto, uma quinta-feira. A Festa iria de sexta à domingo.
Durante todo o festival vendemos um colar. Cinco pesos. Conhecemos vários artesãos de diversas partes do país. Uma vida simples, porém livre. Eles percorrem a Argentina vendendo seu trabalho, conhecendo gente e vivendo com pouco. "É uma vida boa, para quem nao é materialista", me disse Santiago, um dos artesãos que conheci. Vivem com pouco e dividem o pouco que têm. Desprezam o luxo, amam a liberdade.





















De volta à estrada
Segunda-feira nos despedimos de nossos novos amigos. Pegamos o ônibus até Resistencia para pedir carona mais uma vez, com destino a Córdoba. Já era final de tarde; junto com a noite se aproximava a possibilidade de dormimos mais uma vez na loja de conveniência do posto de gasolina, o mesmo onde tínhamos passado a noite há cerca de uma semana atrás, depois de um dia inteiro pedindo carona sem sucesso. Quando já estávamos na expectativa de mais uma noite mal dormida, um caminhão que transportava gado parou. Impossível descrever a sensação de alívio que esse momento propicia.




















História de caminhoneiro
Marcelo era seu nome. Seu caminhão era bem equipado, moderno. Não parecia querer muita conversa. Entretinha-se com seus dois celulares, fazendo ligações e mandando mensagens. Tentei puxar conversa, mas ele não respondeu. Não sei se não me ouviu ou simplesmente me ignorou. De qualquer maneira, entendi o recado e fiquei na minha. Uma foto pendurada chamava a atenção - uma linda mulher de tranças loiras e olhos claros. Devia ser alguma modelo ou atriz famosa, pensei. Até que ele nos perguntou: "Quantos anos vocês acham que ela tem?". Chutamos uns vinte e poucos. "Ela tem dezoito anos, é a filha do meu patrão", disse ele.
Eles se conheceram há três anos pela internet. Foram conversando sem saber suas identidades. Um dia ela comentou que seu pai era dono de uma empresa de caminhões - a empresa onde Marcelo trabalhava. Eles passaram a se encontrar e ela começou a demonstrar interesse por ele. Ela tinha só quinze anos e era filha de seu patrão. Ela era rica, ele pobre. Marcelo sabia que isso daria problema e tentou evitar o romance. Mas ela era tão linda...
Namoraram uns cinco meses escondidos. Como era inevitável, um dia ele foi falar com os pais dela, os seus patrões. "Eu estou com um problema amoroso", disse ele. "Qual problema?", perguntou a mãe. "É com sua filha, esse é o problema", respondeu Marcelo.
Os pais dela falaram que isso não era um problema. Disseram que ele era honesto, trabalhador, isso que importava. Eles mesmos já tinham sido pobres, e aceitaram bem o romance da filha com o empregado.
Faz três anos que eles estão juntos. Ela lhe deu um carro e um caminhão novo, mas ele diz que isso não interessa, quem tem dinheiro é ela, ele continua pobre. E continua a tratar seu patrão da mesma maneira enquanto trabalha, mantendo o relacionamento patrão-empregado. Fora da empresa ele é seu genro, mas continua sendo seu chefe. Ela quer casar, diz ele que não tem pressa. E passou toda viagem falando de sua namorada. Nos deixou na cidade de Sé Pereira, província de Santa Fé, perto da província de Córdoba. Confesso que em alguns momentos desconfiei do conto de fadas do rapaz. Talvez aquela foto fosse de uma modelo famosa e todo o resto fosse fantasia. Talvez.
Eram sete horas da manhã. Lindo nascer do dia. Muito frio, o capim estava congelado. Paramos na saída da cidade, logo depois de um cruzamente com uma linha de trem - os carros eram obrigados a baixar a velocidade, era impossível nos ignorar. Umas duas horas depois, parou um caminhão. Horácio, o motorista, disse que podia nos deixar uns 100 km mais para a frente. Aceitamos a carona.
O relevo sempre plano. Plantações de soja e trigo. Pastos. Ele foi nos falando do problema da concentração de terra, dos grandes latifúndios, do mal que fazem os agrotóxicos, das diferenças regionais do país. O norte é a região mais pobre e a maior parte da riqueza do país se concentra em Buenos Aires.
Ele nos deixou na entrada de uma cidade. Almoçamos pão com queijo e seguimos nosso caminho. Tínhamos que andar até a saída da cidade, voltar à rodovia que leva a Córdoba. Caminhamos uns 7 km com as mochilas nas costas. Chegamos exaustos e o sol, mais uma vez, estava próximo de se pôr. Paramos perto de um posto - nosso abrigo, caso não conseguíssemos carona.
Mal levantamos nosso dedo e parou um caminhão. Walter era o nome do motorista. Estava indo para Córdoba. Muito simpático desde o início, nos ajudou a colocar as mochilas na traseira do caminhão. Nos ofereceu mate e bolachas, mostrou a foto de seus filhos e nos contou um pouco de sua história.
Filho de italiano, sustenta sua famíla toda com o seu trabalho. Um de seus irmãos foi tentar a sorte na Itália. Faz anos que nao fala com ele. Seu irmão mais novo trabalha em uma grande empresa que paga seus estudos. Ele é caminhoneiro desde os quinze anos, costumava viajar com seu pai, também caminhoneiro. Gosta dessa vida, apesar de ser cansativa.
Aliás, perguntei a todos os caminhoneiros que conheci se gostavam do seu trabalho. E todos responderam que sim, e se orgulhavam de conhecer o país quase por inteiro.
Walter parou em um posto na entrada de Córdoba. Nos despedimos e tomamos um ônibus até o centro. Encontramos o albergue que um amigo tinha me indicado. Deixamos nossas coisas lá, saímos para comer, tomamos um banho e dormimos o bom sono dos cansados, depois de dois dias de caronas quase sem dormir. Mas valeu a pena. Percorremos mais de 1000 km gastando só com alimentação. Vida de mochileiro. Coração de viajante.




Mi

1 Comentários:

Às 3:02 PM , Blogger Michele Torinelli disse...

oi helo querida! que bom que é ver um recadinho seu de vez em quando... estamos bem, mae!!!
beijos

 

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