Projeto Canción

terça-feira, novembro 14, 2006

Marinheiros de primeira viagem

Saímos do Brasil preparados para ir ao Pólo Norte: luvas ultra quentes, cachecóis, meias de lã, gorros e o que mais se possa imaginar. As meias eu acabei dando para um camarada boliviano, que já está nessa vida de vender artesanato e viajar faz tempo; o gorro está servindo para proteger uma lente tele-objetiva que um amigo nos deu antes de partirmos; o resto vai ficar pelo caminho assim que passarmos pelo Perú, o último reduto de frio do nosso trajeto. Não podemos nos dar ao luxo de carregar peso morto.
Nessa vida itinerante nos damos conta de como temos tantas coisas supérfluas, desnecessárias. Eu tinha um guarda-roupas lotado em Curitiba, sendo que dentro da mochila que carrego agora tenho mais que o suficiente. E é com essas pequenas coisinhas que podemos entender porque vivemos numa terra tão deformada. Somos incapazes de nos desfazer de roupas que nem usamos, e claro, necessitamos sempre de novas roupas, de diferentes cores e modelos. Quando alguém usa sempre as mesmas roupas acaba virando piada. É realmente engraçado que alguém desapeguado, que não perde tempo e dinheiro com coisas superficiais, seja motivo de riso. Mas cada um vê graça naquilo que não entende...
Perto da escola onde eu estudava canto em Blumenau, havia uma senhora que passava o dia todo alimentando gatos. Ela colocou um cartaz na frente da sua casa que dizia alguma coisa assim: "por favor, não deixem mais animais aqui - vivo de aposentadoria e não tenho mais como sustentá-los". Todos riam dela, inclusive eu. Costumávamos chamá-la de "a louca dos gatos". Mas o que ela fazia era realmente útil: ela alimentava animais esfomeados. E as pessoas riem disso. Mas as pessoas não riem daqueles que passam horas em shoppings, dedicando suas vidas ao vazio da vaidade enquanto pessoas e animais têm fome.
Conheci um menino do Uruguai que viaja desde os catorze anos. Antes de chegar à Bolívia ele passou dois anos no Brasil - fala português como um carioca. Um dia dediquei um momento de atenção a apreciar o seu trabalho. Fiquei de boca aberta. É um trabalho de uma beleza, um perfeccionismo, que como algumas peças que vi na Argentina, supera a categoria de artesanato. Em mais de duas semanas acho que o vi usando umas cinco peças de roupa. Ele não consegue conceber como alguém pode carregar roupas. O peso que ele carrega é de sementes, penas e pedras que ele colheu pelos lugares que passou. Cada semente tem uma história, e continuará sua história em forma de colar ou pulseira, e será carregada por diferentes pessoas, por diferentes caminhos, em diferentes países. Além do seu material de trabalho, ele leva consigo o Pancho, um cachorro que encontrou na favela da Rocinha. Desenvolveu sua arte e escolheu viver como uma folha ao vento. Decidiu descobrir com as próprias mãos o que é ser livre.



Mi

2 Comentários:

Às 1:52 PM , Blogger Michele Torinelli disse...

na verdade o que eu quis dizer com o texto é que agente insiste em complicar as coisas, que o mundo todo tá ao contrario mas que agente continua nessa mesma racionalidade sem sentido. No fundo agente sente que nao está no caminho, mas continua seguindo a corrente. Só vou me cansar de falar disso quando nao for mais necessário. E por enquanto é, e muito.
beijos

 
Às 1:52 PM , Blogger Michele Torinelli disse...

na verdade o que eu quis dizer com o texto é que agente insiste em complicar as coisas, que o mundo todo tá ao contrario mas que agente continua nessa mesma racionalidade sem sentido. No fundo agente sente que nao está no caminho, mas continua seguindo a corrente. Só vou me cansar de falar disso quando nao for mais necessário. E por enquanto é, e muito.
beijos

 

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