Projeto Canción

quarta-feira, março 28, 2007

Peru andino

Saímos da Bolívia no último dia permitido pelo nosso visto. Depois de três meses, entraríamos num país de cultura similar à boliviana, com as mesmas raízes históricas, porém atualmente em uma direção política oposta. Enquanto a Bolívia bate de frente com o sistema neoliberal em busca de uma outra alternativa, o Perú se esforça por cair nas graças do sedutor desenvolvimento capitalista. Miséria e riqueza mais evidentes na Meca do turismo sul-americano.

A cidade branca
De Copacabana, na Bolívia, tomamos um ônibus para Arequipa, conhecida como "a cidade branca". Ficamos na casa da Úrsula, que eu conheci no estágio em áreas de reforma agrária em janeiro de 2006. Uns dias depois de nós chegaram Luciana, amiga chilena que também participou do estágio, mais duas amigas suas, e do Brasil veio o Lucas, outro participante do estágio. Foi muito bom rever amigos, lotamos a casa da família da Úrsula, que deu uma aula de boa vontade. Ela e sua mãe preparavam pratos típicos, o pai contava das tradições dos incaicos e até comprou dois porongos de cañazo, a cachaça produzida no Perú, para os brasileiros que chegariam em sua casa. Eles também levaram agente para conhecer uma praia próxima. Não achei tão bonita não, mas foi divertido.



















O centro de Arequipa é todo branco mesmo, a catedral imponente, com um diabo talhado no púlpito artisticamente impressionante, derramando a sombra de suas duas torres na praça central tipicamente espanhola, rodeada por arcos e tomada por vendedores, pedintes e turistas.

Arequipa não me atraiu muito, mais uma cidade, e como eu veria por todo o meu caminho pelo Perú, invadida por turistas, principalmente europeus. O que diferencia a cidade é que ela é rodeada por três vulcões, com o cume nevado brilhando sob o sol. As vendas iam bem, mas como não pagávamos hotel, aproveitamos para tirar uns dias para produzir tranqüilos.

Passamos umas duas semanas em Arequipa e nesse período as meninas chilenas e o brasileiro foram conhecer o canion do Vale do Colca. Na volta nos disseram que valia à pena ir lá. Resolvemos seguir a dica.

Um vale de conto de fadas
O canion do Colca foi reconhecido como canion não faz muito tempo - a exploração turística iniciou recentemente. As senhoras usam umas roupas lindas, todas bordadas, um artesanato típico da região. Quando recém saímos do ônibus, apareceu um cara oferecendo hotel. Dez soles (sim, a moeda peurana é o Sol). "Cada um???", perguntou o Thiago achando caro. "Não, os dois". Decidido.

Ele nos levou ao local, seu filho abriu a porta. Ele era o dono, e morava com sua família lá mesmo. O jardim era bem cuidado, com flores, o quarto bem ajeitadinho, banheiro privado, a ducha a gás, bem quentinha, o melhor banho desde que saí do Brasil. Tudo isso pela menor diária que chegamos a pagar no Perú. O mercado da cidadezinha não tinha aquela confusão da maioria dos mercados e a comida era muito boa e barata. E sim, opções sem carne eram possíveis! Mas o melhor foi a paisagem: céu azul, sol, montanhas, friozinho, tranqüilidade.

Estávamos em Chivay, a cidadezinha do vale com mais infra-estrutura, mas como não era temporada de turismo, o movimento não estava muito forte. No hotel conhecemos um psicólogo belga que vive há longa data na Holanda. Desde muito tempo ele trabalha por uns cinco anos, junta um dinheiro, vende tudo, inclusive o consultório, e sai de viagem. Dessa vez ele ele estava com sua filha e o namorado dela, que tinham uns 18/19 anos. Fomos com eles a Madrigal, um povoadinho a três horas de kombi. Tanto na Bolívia quanto no Perú os ônibus são usados só para transporte interurbano. Dentro das cidades e pelos caminhozinhos do interior, a kombi predomina. O bom é que costuma ser barato e o dinheiro não vai para uma grande empresa de transportes, mas fica com os motoristas/proprietários. Porém, sempre tem o lado ruim: como não há fiscalizaçao, e até nem sei se existe uma regulamentação, as kombis costumam circular completamente lotadas. E dessa vez também foi assim. Saímos antes do sol nascer e não tinha lugar para todos sentarem, nem para as milhares de bagagens que as pessoas sempre levam de um lado para outro. Tinha gente "semi-em-pé", pois a altura da kombi não comporta uma pessoa em pé. Mas é incrível, eles iam bem, conversando, melhor que nós, gringos almofadinhas sentados e enjoados pelo sacolejo.

Era sábado, primeiro dia do carnaval da cidadezinha. Nos indicaram uma caminhada para chegar à entrada do canion, onde se pode ver os condores planando. Fomos andando pela estradinha, cruzando as fazendinhas, ao longe se viam os montes nevados. O vale do Colca é muito frio e alto, mas o sol é bastante forte. O resultado dessa equação é: de dia, frio na sombra e calor no sol; à noite, um frio de fazer tremer os ossos. Caminhamos mais de uma hora e chegamos ao início da subida para chegar à tal entrada do canoon: um zigue-zague assutador desenhado na montanha.
Não tive dúvida. "Thiago, sinto muito, não tô afim de me matar para subir isso aí, tô afim de curtir o dia, a festa, vou ver o canyon depois mesmo, então se você quiser ir, boa sorte". Já tínhamos planejado ir ao "cruce del condor", o cruzamento do condor, onde se tem uma bela vista do canion e os turistas vão para ver o condor, ou seja, um bom lugar para vender.

O Thiago seguiu subida, eu sentei na beirada de um riozinho, onde parecia que as montanhas faziam um portal, abaixo de uns buracos que fui descobrir que eram antigas catacumbas. Voltei andando sozinha por esse caminho lindo, parando para descansar entre os "sobes e desces". De volta ao centrinho até tentei vender alguma coisa, mas vi que não teria muita saída. Ouvi uma música vindo do terreno de uma casa. A festa começava ali, tinha uns homens vestidos de mulher, de mineiro, pintados de preto com carvão e muita chicha, uma bebida fermentada simplesmente horrível, com um tremendo gosto de azedo.

Só o Thiago e o senhor belga subiram. Os dois jovens holandeses chegaram de volta à cidade em seguida de mim, depois o belga e por último o Thiago. Na festa nos ofereceram comida, chicha, nos tiraram para dançar, pintaram a holandesa de carvão e não queriam que fôssemos embora, até nos ofeceram um cantinho na casa deles. A dona da casa, já meio embriagada, veio falar comigo. "Eu quero que vocês se sintam bem, fico feliz que estejam aqui, porque somos todos irmãos. Meu filho foi para o Chile e lá o tratam muito mal, e isso está errado. Não importa de onde viemos, somos todos iguais". Há um grande preconceito entre chilenos e peruanos, que remonta da Guerra do Pacífico, vencida pelo Chile.

Apesar de todos os convites, voltamos a Chivay, tivemos sorte de pegar a kombi vazia. No dia seguinte fomos ao "cruce del condor". Tinha um monte de "mamitas" vendendo roupas de lã de alpaca, que é igual a uma lhama só que mais peluda. O lugar era bem bonito mesmo e cheio de turistas. Quando a estrela da festa, o condor, apareceu, houve o maior rebuliço; turistas correndo com máquina fotográfica na mão para registrar a imagem do majestoso pássaro. Eu, me sentindo meio idiota, segui a leva de turistas para ver o condor, afinal, nunca tinha visto um. É realmente uma visão muito bonita, o pássaro símbolo da liberdade para os românticos do século XIX distraidamente dando o seu espetáculo.

Vendemos somente para pagar o transporte de ida e volta do cruzamento. Tínhamos a grana certa para a passagem até Arequipa, faltava para a última diária do hotel. Explicamos a história para a mulher do dono, deixamos uns brinquinhos e uma pulseira e ficou tudo bem.

Arequipa é parada obrigatória do Vale do Colca para Cusco. Chegamos umas oito horas da noite, sacamos dinheiro, mas só conseguimos passagem para a manhã do dia seguinte. Essa noite me senti mal e tive febre. Mal sabia eu que esse era só o começo.

Cusco
Um sujeito vestido de inca falando ao celular - ganha a vida posando para fotos. Uma "mamita" tentando vender a todo custo as cintas que faz. Um sujeito me aborda – “TATUAGENS, PIERCINGS, marihuana, cocaína, ópio ...". Turistas bêbados com os "free drinks fisga cliente". Mendigos por todos os lados. Milhares de táxis buzinando o tempo todo. Cusco, o ponto alto do turismo na América do Sul, a cidade plastificada onde igrejas foram construídas sobre templos incaicos.
Foram vinte dias de fraqueza, dor de barriga, tontura, vômito e diarréia. O motivo é um mistério; fui ao médico, fiz exame, mas não foi encontrado nenhum diagnóstico. Quando saía para passear, voltava ainda pior. A falsidade de Cusco me sufocou. Tudo ao seu alcance, se você puder pagar.




Mi